O efeito ilusório; Como uma mentira pode se tornar verdade… – 22.03.2017
Você só usa 10% do seu cérebro. Comer cenouras melhora a sua visão. Vitamina C cura resfriado. Nenhuma dessas coisas é verdadeira. Mas fatos pouco importam nestes casos: as pessoas repetem esses bordões tantas vezes que você acredita neles. Bem-vindo ao “efeito ilusório da verdade”, uma falha na psique humana que iguala repetição com verdade. Os comerciantes e os políticos são mestres em manipular este viés cognitivo.
Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou três ordens executivas destinadas a parar o que ele descreve – repetidamente – como altos níveis de violência contra a aplicação da lei na América. Parece importante, certo? Mas esses crimes estão em suas taxas mais baixas em décadas, assim como a maioria dos crimes violentos nos EUA.
“O Presidente Trump pretende construir forças-tarefa para investigar e parar tendências nacionais que não existem”, disse Jeffery Robinson, vice-diretor jurídico da American Civil Liberties Union.
Ele está certo de que as tendências não são reais, é claro. Mas algumas pessoas ainda acreditam nelas. Cada vez que o presidente escreve no Twitter ou diz algo falso, algumas boas almas correm verificar os fatos para apontar os erros – o que tem pouquíssimo efeito. Uma pesquisa da Pew Research no outono passado descobriu que 57% dos eleitores americanos acreditavam que o crime nos Estados Unidos havia piorado desde 2008, apesar dos dados do FBI mostrarem que ele havia caído em cerca de 20%.
Repetição = verdade
— Então o que está acontecendo aqui?
“A repetição torna as coisas mais plausíveis”, explica Lynn Hasher, psicóloga da Universidade de Toronto, no Canadá, cuja equipe de pesquisa reconheceu o viés pela primeira vez na década de 1970. “E o efeito é provavelmente mais poderoso quando as pessoas estão cansadas ou distraídas por outras informações”.
A repetição é também o que faz notícias falsas serem acreditadas e compartilhadas, e é a arma secreta da propaganda política. Não é nada novo: Adolf Hitler usava essa técnica. “Os slogans devem ser persistentemente repetidos até que o último indivíduo tenha absorvido a ideia”, escreveu ele em “Mein Kampf”.
O efeito funciona porque as pessoas avaliam a verdade de uma afirmação se apoiando em duas coisas: se a informação se encaixa com a sua compreensão, e se parece familiar.
A primeira condição é lógica: as pessoas comparam novas informações com o que já sabem que é verdadeiro, considerando a credibilidade de ambas as fontes. No entanto, os pesquisadores descobriram que a familiaridade pode superar a racionalidade – tanto que a repetição de um certo fato pode ter um efeito enorme.
“Quando você escuta a informação pela segunda vez é muito mais fácil de processá-la – você a entende mais fluentemente”, argumenta Lisa Fazio, psicóloga da Universidade de Vanderbilt, EUA. “Nosso cérebro interpreta essa fluência como um sinal de que algo é verdadeiro”.
Em outras palavras, a racionalidade exige trabalho de processamento. Seu cérebro ocupado se sente muitas vezes mais confortável em seguir uma simples intuição.
— Como combater esse viés
Como com qualquer viés cognitivo, a melhor maneira de não cair nele é saber que ele existe. Logo, se você ler algo que parecer a coisa mais correta do mundo, mas você não sabe exatamente por quê, tome conhecimento desse sentimento. Analise o “fato”. Verifique os dados. Muito trabalhoso para você? Bem, lembre-se de que não é legal ser enganado.
— As mentiras desvendadas pela Neurociência
De acordo com um estudo da Universidade College London, no Reino Unido, contar pequenas mentiras dessensibiliza nossos cérebros para as emoções negativas associadas ao ato, podendo encorajar-nos a mentir ainda mais no futuro. Um artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica Nature Neuroscience.
Essa é a primeira evidência empírica de que mentiras contadas para benefício próprio podem, gradualmente, aumentar. Também é a primeira vez que é revelado como isso acontece no nosso cérebro. A equipe do estudo mapeou os cérebros dos voluntários enquanto eles realizavam tarefas onde podiam mentir para ganho pessoal.
Os cientistas descobriram que a amígdala, uma parte do cérebro associada com a emoção, foi mais ativa quando as pessoas mentiram para benefício próprio. A resposta da amígdala à mentira diminuiu com cada uma que foi contada, enquanto a magnitude das mentiras escalava. Fundamentalmente, os pesquisadores descobriram que quedas maiores na atividade da amígdala previam maiores mentiras no futuro. Quando mentimos para ganho pessoal, a nossa amígdala produz um sentimento negativo que limita a extensão em que estamos preparados para mentir”, explica um dos autores do estudo, Dr. Tali Sharot, ao portal Science Daily. No entanto, esta resposta diminui à medida que continuamos a mentir, e quanto mais cai, maior nossas mentiras tornam-se. Isso pode levar a uma “ladeira escorregadia”, onde pequenos atos de desonestidade transformam-se em mentiras mais significativas.
“Isto está de acordo com as sugestões de que a amígdala sinaliza aversão aos atos que consideramos errados ou imorais. Nós só testamos desonestidade neste experimento, mas o mesmo princípio pode também se aplicar a escalonamentos em outras ações, tais como tomada de riscos ou comportamento violento”, argumenta o Dr. Garrett.
Porém, este é somente um primeiro olhar na resposta do cérebro aos atos repetidos e crescentes de desonestidade, e pesquisas futuras são necessárias para entendermos essa ligação de forma mais precisa, e para descobrirmos se outros tipos de comportamento teriam o mesmo efeito.
Desde os anos 1960, quando ainda predominava entre neurocientistas a ideia de que o cérebro seria um órgão estático, pré-moldado sob estrita ordenação genética, cientistas defendem hoje que é possível, ao longo de toda a vida, criar novos circuitos e conexões neuronais em resposta a estímulos e experiências, o que resultaria em mudanças funcionais. A esse processo contínuo chamamos de neuroplasticidade. Quando trabalhamos para aprimorar uma habilidade, ocorre uma mudança na “fiação cerebral” (nas sinapses ou conexões neuronais), ou seja, são selecionadas as conexões que dão suporte ao comportamento ou à habilidade que estamos desenvolvendo. Assim como quando exercito meu corpo obtenho uma série de benefícios e altero a regulação de uma série de processos bioquímicos, quando exercito meu cérebro altero todo o seu funcionamento, seu suprimento de sangue e de energia, bem como a força de suas operações. Portanto, não apenas melhoro uma habilidade em si, mas todo o maquinário cerebral. Quando jogo pingue-pongue pela primeira vez, sou muito desajeitada. Após um ano de prática intensa, fico muito habilidosa, consigo ver e acertar a bola com alta precisão. Por meio de mudanças físicas e químicas incrivelmente complexas, criou-se um cérebro com esse recurso. Nosso cérebro será diferente daqui a uma semana e muito mais diferente ainda daqui a uma década. Pode ser uma mudança para frente ou para trás, ganhando ou perdendo habilidades. Depende do uso. O limite da performance de qualquer operação mental complexa, como, por exemplo, a memória, será determinado pela claridade com que o cérebro representa a informação. Se estou tentando gravar uma informação, quanto mais fielmente ela for representada no cérebro, mais facilmente eu consigo lembrar. O cérebro é uma máquina de fazer previsões. Ele acumula informações ao longo do tempo e, continuamente, faz previsões do futuro e associações com o passado. Posso melhorar essa capacidade simplesmente aumentando a clareza das operações. Para isso, treinamos o cérebro a manipular informações. Para elevar o nível de suas operações, posso dar uma tarefa em que o cérebro precisa não apenas vir com uma resposta certa, mas com várias possibilidades de resposta em uma alta velocidade e de maneira fluente. Posso treinar o cérebro a rapidamente classificar informações, a rapidamente mudar as regras de suas operações quando as condições do meio exigirem isso…. Todas essas coisas são válidas de serem praticadas. O que comumente fazemos quando estamos avaliando indivíduos nesta área, é avaliar em cada indivíduo onde estão as falhas: no controle de atenção, na habilidade de gravar informação, na forma como ele representa informação em sequência ou como manipula e organiza cadeias complexas de informação. Todas essas coisas são passíveis de treinamento… simples assim.
Inspiração…
Viagem pelo Cérebro – Sociedade Portuguesa de Neurociências
A Neurociência Abraça o Mundo – USP
Neurologia e Neurociências – USCS
USP Apresenta Cérebro ao Público
O Inconsciente e a Consciência: Da Psicanálise à Neurociência
Recomendo…
Fonte – Monicavox